Quando eu era criança, adorava sentar no
banquinho que ficava na passagem da cozinha para o quarto da minha mãe. Ela
vendia doces pela janela dele. De lá eu tinha a visão completa da clientela.
Eu ficava no banco o dia inteiro, apenas a
observar toda a vizinhança parar á sombra do toldo do lado de fora e, entre uma
conversa e outra, comprar uns brigadeiros caseiros ou um pote de doce de leite.
Ela tinha um sorriso ao atender cada
cliente que fazia parecer como se fosse o único. E tinha 3 caixinhas que
ficavam ao lado do balcão com etiquetas nomeadas do lado de fora. Nessas
etiquetas, como eu fui aprender um pouco mais tarde, estavam escritas com
caneta esferográfica de tinta vermelha as seguintes frases: “Faculdade
do Beto”, “intercambio da Ana” e “Paris”. Lembro-me de olhar absolto, sem
entender direito ainda, a cada dia que passava, as caixinhas ficarem mais
cheias de dinheiro.
Quando cansava de ficar sentado no
banquinho, saía e ia me deitar no sofá sem forro da sala, de onde conseguia
ouvir os clientes que tinham acabado de sair da janela do quarto da minha mãe
do lado de fora. A porta da sala era de madeira maciça e nao tinha maçaneta, de
maneira que sempre escapavam-me as frases completas que eles diziam, mas era
comum chegarem até mim alguns fragmentos do tipo “boa mãe...’, “doces
deliciosas” e “garotos de sorte”. Adorava ficar horas naquele desconfortável
sofá, só tentando adivinhar as conversas lá fora. E quando eu não estava no
banquinho era lá que eu ficava.
Apesar
de todo o fascínio que me causava tudo aquilo, ainda tinha algo que me
encantava mais. Sempre perguntava para a minha irmã mais velha a respeito, mas
nunca recebia uma resposta concreta.
Minha mãe tinha um pequeno bloquinho
amarelo com folhas de papel carbono entre uma página e outra, no qual rabiscava
alguma coisa no final do dia. O único lugar onde ela podia fazer as suas
anotações e planejamento de vendas do dia seguinte. Vivia manchado de
tinta.
É difícil explicar até hoje toda a beleza
que eu via naquela cena.
Eu podia ouvir os elogios dos clientes,
podia passar horas a observando entregar o troco para as pessoas e preencher o
conteúdo daquelas misteriosas caixinhas com o dinheiro que recebia. Mas quando
aquela janela se fechava no final do dia e minha mãe recostava no balcão com
aquele bloquinho na mão a fazer anotações com aquele sorriso,ali, eu
simplesmente paralisava.
O papel carbono copiava tudo que ela
escrevia para a folha de baixo do bloquinho, de maneira que cada nova anotação
dela, era em cima da cópia do dia anterior. Mesmo assim, de algum modo, ela
entendia o que escrevia, e não parava de sorrir, as vezes dando uma olhadaninha
para as 3 caixinhas.
Eu demorei muito para entender o real
motivo de toda aquela alegria. O que eu sei é que, desde que compreendi esse
motivo, ainda que eu já seja um adulto e saiba que isso não é possível, queria
muito ser como aquele bloco de papel carbono.
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