Resgatando a pegada mais samba-de-roda do
inicio da banda com álbuns como Gera
Samba (1994) e É o Tchan (1995), Jacaré, Cumpadi Washington,
Beto Jamaica e as belas Sheilas voltam com o maior clássico da banda, um disco que contém
uma critica social profunda e inteligente.
É
o Tchan no Hawai é um álbum conceitual de 1998 que
retoma a caminhada da banda inicialmente formada por Debora Brasil e Carla
Perez, rumo ao sucesso com letras espirituosas e que mostram uma poesia mais
nítida e menos eufêmica, aludindo a grandes nomes da cultura brasileira como
Cazuza e José de Alencar.
Confesso que prefiro a formação original
(as lindas madeixas de Débora Brasil jamais serão superadas), mas este álbum
traz o auge da banda que representa a poesia brasileira de maneira que jamais
foi feita na história do país. Por isso, hoje trago a resenha do que eu
considero - junto com As
quatro estações de Sandy e
Junior – o melhor CD que já foi lançado em terras tupiniquins.
Vencedor do disco de platina e com
repetidas apresentações no programa do GUGU, as composições deste álbum merecem
destaque pela desenvoltura e pela complexidade.
A primeira musica, que dá nome ao disco,
já começa enaltecendo o maior estado brasileiro (Bahia) com uma referência pra
lá de elogiosa. Com frases como Ula
ula de lá pega pega daqui, a baiana desce e ô Bahia iaiá. Beto Jamaica discorre na letra de
maneira genial, fazendo referência ao acidente geográfico conhecido como Serra
Geral. Vale a pena conferir.
A faixa seguinte tem melodia dançante e um
arranjo único. Mas mais do que isso ela contém uma critica social á ditadura da
beleza. A NOVA LOIRA DO TCHAN traz uma metáfora á mulher
brasileira e a crítica com seus pesos e medidas á necessidade da mulher em ter
um corpo perfeito, igual ao das revistas na atualidade. Vale ressaltar trechos
como Luz na passarela, que la
vem ela – claro manifesto
contrário a tão desejada carreira de modelo que muitas vezes
termina em uma anemia ou bulimia.
As próximas três faixas do álbum seguem a
mesma linha da segunda. Criando um emaranhado de situações que constroem ao
longo das letras uma história de uma mulher batalhadora como toda brasileira
que REBOLA para se manter viva nessa
sociedade machista, tendo tempo de ir para o pagode RASTA CHINELO, deixando os homens Loucos em TIRA
BOTA.
Poderia passar horas descrevendo as
excelentes metáforas que essa trilogia nos traz, mas o texto ficaria muito
longo e não quero tomar muito tempo do leitor. Posso dizer com certeza que
qualquer um que esteja lendo essa resenha, se olhar com mais cuidado essas três
musicas, descobrirá um mundo de diferentes interpretações para o mesmo polêmico
tema.
A partir daí, o álbum eleva de maneira
sutil e gradativa o tom da ginga brasileira. Dando tapas na cara da sociedade
com melodias de qualidade que tiram o mais parado dos homens para dançar.
Vale aqui, destacar o trabalho da
coreografia de CALMA, TEMPERO DO AMOR, ARIGA TCHAN e TWIST TCHAN. Jacaré compõe
um verdadeiro balé nessas quatro musicas e a loira e a morena do Tchan realizam
um trabalho sincronizado que chega a emocionar misturando sensualidade e
técnica de uma forma sem igual. Juro que verteu uma lágrima quando vi pela
primeira vez a coreografia de ARIGA TCHAN que homenageia a honra e tradição
japonesas fazendo referência a espada com a palavra que dá nome a banda.
Para quem não viu e para quem gostaria de
rever, segue:
Se críticas a ditadura da beleza
imposta pela sociedade á mulher são colocadas na mesa no inicio do álbum, VAMOS
MALHAR é uma icônica descrição da necessidade que os homens têm de ter o corpo sarado
para tentar agradar as mulheres.
A crítica a esse modelo social do “quanto
mais músculo melhor” continua até o fim do álbum, mas ganha destaque nas duas
faixas seguintes: É DE BABADO e CHAMADINHA. Quando o Jacaré demonstra total
vigor físico, sambando para o mundo ver.
Cabe adentrar a próxima musica dessa
obra-prima que é o disco com uma importante ressalva: a partir de PEGA NO
BUMBUM - que é de longe minha preferida – a musicalidade do álbum realmente
flui.
A faixa 13, assim como o restante do
álbum, faz uma alusão ao ato sexual como pode ser percebido nas letras e
coreografias. Mas ao contrário do que muita gente pensa, não é só o ato em si
que aparece nessa hora, mas o amor é também destacado, o romantismo
extremamente detalhado alencardiano se mistura a sacanagem implícita do
nosso maior poeta, Cazuza.
"Menina linda, não vá embora
Está chegando a hora
E você vai ter que pegar
No cabelinho, ai
Mão no queixinho, ai, ai, ai
No umbiguinho
E desce, desce, remexe sem parar".
-
Cazuza no corpo, "Senhora" (livro publicado em 1975) na alma...
Isso, misturado à verdadeira ginga do
samba-axé brasileiro, é o que traduz a essência do disco como um todo. Pondo um
ponto final na crítica com um pingo de alegria e beleza, assim, dando um final
feliz a história contada nele de maneira inesperada. O saudoso jeitinho
brasileiro.
Para coroar está já clássica produção, o
clima de despedia vem com UM DIA, deixando o ouvinte com gostinho de quero mais
e vontade de colocar o CD todo para tocar de novo e remexer o esqueleto.
O último bom disco do milênio passado, que
deve ser, não só ouvido, mas encarado pelo povo brasileiro como a mais
eficiente tradução de que, apesar dos problemas, NADA precisa ser melhorado
para esse Brasilzão de meu Deus ser perfeito.
Sena, Ewerton – Revista IRONIA, JUNHO 2017.
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