- Melhor?
- Melhor!
Ajoelhado ao lado do amigo de longa data,
Edgar deu uma breve olhada em sua perna. Não estava nem um pouco melhor. Ainda
sangrava muito. Não tinha coragem para dizer isso. A grossa faixa que corria
por todo o calcanhar estava encharcada de sangue. Um pouco acima, pontos
recentemente costurados remendavam o que seria sua canela há meia hora.
Tornou a olhar para o amigo. Não conseguia
imaginar o que fizera com que ele ainda estivesse ali.
- Você não vai cair fora, cara? –
Perguntou.
- Espera aí meu! Tô quase acabando!
- Eles estão chegando, meu. Não vai
dar tempo de você sair daqui. Vai embora, me deixa aqui.
- Já disse que não vou te deixar meu!
Agora cala a boca porque ta me atrapalhando.
O joelho ralado ainda tinha um
aspecto que dava ao mesmo tempo nojo e medo. Muito medo. Sua perna enfaixada a
pouco pelo amigo começou a sangrar de novo.
Com os movimentos rápidos e o cuidado de
um enfermeiro recém formado, Marcos pegou a gaze na pequena maleta, trêmulo,
para enfaixar o cotovelo de Edgar. Esse era o ultimo curativo.
Enquanto passava um algodão molhado para
desinfetar o ferimento, olhou ao redor. A saleta onde se encontravam não era nada
propícia para a ocasião, tanto para cuidar dos machucados de seu companheiro
Edgar, quanto para poderem sair dali com vida.
- Ai porra! – Gemeu Edgar – Cuidado com
isso daí cassete!
- Relaxa tô quase acabando
Marcos se desconcentrou por um momento,
havia naquela sala fechada, dois grandes amigos, que outrora estiveram juntos
em muitos momentos. Encurralados. Enjaulados como animais por aqueles monstros
do lado de fora.
Uma lágrima escorreu pelo seu rosto quando
pensou em Jéssica. Como ele pôde deixar que ela se transformasse num deles?
Quem poderia imaginar que naquela manhã
Marcos iria voltar a falar com Edgar depois do que acontecera entre eles e
Jéssica anos atrás. Ela não tinha culpa de nada, estava bêbada naquela noite,
Marcos a embebedara. Edgar, que menos tinha culpa na história, tinha sido
traído e nunca mais se apaixonou por ninguém depois daquele dia. Jazia no chão
agora sem nenhuma esperança de curar-se e sobreviver a aquilo tudo.
Amigos desde a quarta série, Marcos e
Edgar se apaixonaram por Jéssica desde a primeira vez que a viram, os dois.
-È o seguinte cara, proponho que a
deixemos escolher um de nós. Você tem seus músculos, eu tenho o meu cheiro.
Quem de nós Jéssica escolher, o outro não vai tentar mais nada e deixar a coisa
toda rolar. Certo? – Disse Marcos a Edgar quando ainda estavam na oitava série.
- Certo! – respondeu Edgar.
Jessica sempre preferiu batata doce á
flores. Foi no primeiro ano que ela e Edgar deram o primeiro beijo. Marcos
morreu de ciúmes, mas se conteve. Tinha prometido ao amigo não tentar mais
nada. Mas não esqueceu Jéssica.
Mais dois anos se passaram até que na
festa de formatura Edgar, muito doente, ficou em casa, e Jéssica, mais bonita
do que nunca, foi à festa. Com um pouco de Jack Daniels e alguns coquetéis de
fruta, Marcos conseguiu mais do que um beijo de Jéssica, traindo a promessa que
tinha feito ao amigo.
Depois daquela noite. Edgar e Marcos nunca
mais se falaram. Jéssica foi embora para a Holanda para fazer um intercambio e
sair daquela confusão.
Só reencontraram-se cinco anos depois.
Naquela maldita situação, por acaso. Jéssica agora se tornara um monstro que
nenhum dos dois queria ver. A epidemia que assolara a cidade destruíra tudo e
transformara metade da população em zumbis sedentos por sangue humano. Jéssica
era um desses zumbis e agora estava tentando entrar na sala a qualquer custo
batendo brutalmente na porta junto a mais um monte de grotescas criaturas iguais
a ela.
Terminou o curativo. Distante, Marcos pôs
a mão no bolso, retirando o seu cigarro devagar.
- Ainda fuma, cara? – perguntou
Edgar.
- Voltei a fumar depois de toda essa
desgraça!- respondeu.
- Já terminou o curativo, cai fora daqui
logo. Saia pela janela. Eles estão para entrar, não vai sobreviver.
Marcos não respondeu, acendeu o cigarro e
sentou-se ao lado do amigo machucado.
A porta cedeu e por ela passou um monstro.
- Não vou a lugar algum! - foram as
ultimas palavras que Edgar conseguiu ouvir de seu amigo antes de ter cortada a
sua perna e ver seu amigo dilacerar frente um zumbi que eles dois tinham
brigado anos atrás para conquistar.
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