A Janela

A janela do pequeno quarto que guarda meu leito é aberta pelo enfermeiro. Lentamente, com um pequeno e forte ranger. Tão lento que lembra a sorrateira morte. Lenta como a entrada de oxigênio em meus fracos pulmões já envelhecidos pela vida. Tão lenta como o amor, que chega devagar e destrói tudo em um solavanco tão surpreendente que te leva ao ápice do êxtase e a mais profunda insanidade.
       
A janela se abre atrás de minhas cabeças aconchegadas no travesseiro do hospital, a luz traz ao recinto um brilho lacrimejante.
       
Essa clara luz que entra e convida a mais rancorosa das almas a dançar agora dá um brilho todo especial a bolsa etiquetada que guarda o soro que de tempos em tempos é injetado em minhas veias e esse brilho intenso faz parte cada vez mais do meu dia-a-dia. É minha única companhia.
       
Deitado nessa cama de hospital há três anos.
       
Há três anos trancado nesse quarto que exala a tristeza, três anos desde o acidente com uma única e inseparável companhia: essa larga e formosa janela que é aberta todos os dias no mesmo horário.
       
Uma companhia intrigante, que chegou a arrancar lágrimas de meus olhos no passado, mas que hoje não consegue despertar em mim o mais simples dos sentimentos. Não consegue sequer tirar do meu coração o ódio e desilusão que ele carrega.
       
Afinal, como poderia? É uma janela oras! Às vezes fechada às vezes aberta, só. Inanimada, indiferente, alheia. Há três anos minha única companhia.
       
Sei que é praticamente impossível, mas queria um dia retribuir essa velha amiga. Abraçá-la como ela merece e mostrar o quanto sou grato a tudo o que tem feito. Levantar uma única vez dessa maldita cama para dizer um obrigado tão sincero que até o mais inanimado dos objetos entenderia. Mas sei que isso é tão impossível de acontecer quanto à própria janela retribuir esse abraço.
       
Diabos! Não consigo nem olhar para ela! Meu pescoço já não tem força suficiente para fazê-lo e meus olhos procuram em vão um pequeno pedaço da janela, porque sabem que ela esta ali e sempre estará. Não importa quanto tempo eu fique aqui, não importa o quanto qualquer um ficar, ela sempre vai estar. Inerte. Esperando o dia em que eu a deixarei, não me deixando nunca, como uma verdadeira companhia deve ser.
       

E a única coisa que essa janela pode fazer é esperar. Esperar que o leito do hospital que ela ilumina seja ocupado por outra alma solitária, que não a minha, para também lhe fazer companhia.

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