Era uma tarde de forte chuva. Uma tempestade
que a muito não acontecia na cidade.
Não se podia ver muita coisa ao longe, as
gotas eram grossas e pesadas, daquelas que dão sono. O aguaceiro trouxera uma
neblina aquele ambiente urbano um tanto quanto fria demais para pra se querer
ver algo.
Debaixo de um guarda-chuva velho e surrado
que encontrara por acaso, a mãe carregava sua filha um pouco desajeitada no
colo. Em meio ao desespero de protegê-la, a moça de meia-idade caminhava
tomando fortes rajadas de vento na face, e, já fazia algum tempo, as poucas
roupas que vestia estavam – assim como seu longo cabelo castanho - empapadas
tanto com a água da chuva quanto de suor.
A menina ia bem protegida nos braços da
mãe, na mão um brinquedo qualquer e na cara um sorriso ingênuo de criança que
não sabe nada sobre o que está acontecendo. Ela tinha acabado de completar dois
anos de idade, não andava muito bem ainda, mas já tinha arriscado alguns sons
com a boca que a mãe tinha orgulho em dizer que eram palavras.
A tempestade só piorava a cada segundo e a
gora mais parecia um furacão de tão furiosa. As duas desamparadas no meio da
chuva procuravam um abrigo onde pudessem ficar seguras por algum tempo.
Há pouco tempo, não muito longe dali, uma
enxurrada levara tudo o que elas tinham, fogão, a pequena geladeira, cama, só
sobraram as duas, agora mais do que sozinhas. Por pouco conseguiram sair da
casa antes que o telhado se desfizesse em suas cabeças. Agora caminhavam ambas juntas
esperando apenas sobrevier á aquela chuva.
A mãe olhou para a filha, seu rosto
molhado se confundiu com o que pareceu uma lágrima. O que seria delas agora? O
que ela, uma mãe solteira como muitas outras podia fazer pela filha sem ao
menos uma casa para morarem. Não tinha emprego fixo, tampouco uma maneira de
recomeçar. Pensou sinceramente que a menina com certeza estaria bem mais feliz
no céu naquele momento.
No meio de suas indagações sobre a
crueldade da vida deixou escapar um sussurro: O que faremos agora meu bebê.
No que pareceu uma surpreendente resposta
da menina á pergunta da mãe, ouviram-se três palavras:
- A estrada, mama!
Sim, a garota tinha falado. Estranho foi
ter dito aquilo naquele momento, já havia arriscado algumas palavras antes, mas
nunca tinha dito algo tão intrigante antes. Era uma fase realmente muito
diferente do que a mãe esperava.
- A estrada, mama! – repetiu a menina.
A mulher percebeu que a garotinha apontava
para frente com seu pequeno indicador. Seguiu com o olhar o dedo da menininha,
mas a chuva era tão forte que não se podia ver nada além de um grande prédio
histórico quer ficava a menos de uma quadra de onde estavam.
A menina continuou a repetir aquela frase
sem nexo apontando para o prédio. No meio da chuva, um pouco adiante, as duas
avistaram uma ponte. Sem pensar duas vezes a mãe largou o guarda-chuva – que a essa
altura já não servia de muita coisa – e correu desesperada para debaixo da
ponte com a menina nos braços. Apesar dos ventos fortes, ali as pesadas gotas
não as acertavam e era um lugar suficientemente protegido pra ficar até a chuva
passar.
Com calma, a mãe se deitou ao lado da
filha na parte coberta, tentando servir-lhe de cobertor. Já havia anoitecido e
com um cansaço que superou facilmente o frio, chegava a hora de dormir. A
menina ali, envolta aos braços da mãe não parava de olhar para frente com um
leve sorriso no rosto, como se algo acima das gotas que fechavam o céu a
alegrasse. Aos poucos, ambas adormeceram na gélida calçada cobertas pelo som do
vento. Mãe sobre á filha.
Choveu a noite inteira e havia acabado de
parar de chover quando a mãe abriu seus olhos.
Um desespero tomou-lhe conta quando
rapidamente percebeu que sua filha não estava mais em seus braços. Levantou.
Olhou a redor em vão – Onde foi parar minha filha, Deus? – perguntava olhando
desesperada de um lado para o outro e soluçando sem parar.
O que aconteceu com aquela criança no meio
da noite?
Não se sabe ao certo, o fato é que em meio
aquele choro e desespero todo, a mãe pode olhar um pouco mais adiante. Há um
pouco menos de uma quadra dali viu o prédio histórico que a menina apontara na
noite anterior, era possível ver um belo arco-íris se formar acima dele.
No rosto da mãe surgiu um leve sorriso
quando percebeu que esse arco-íris olhado de longe, parecia uma linda e
colorida estrada para o céu.
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