A Carta.

Venho por meio desta, a quem quer que seja que esteja lendo essa carta, revelar a repulsa que adquiri ao longo do tempo. Não com nada nem ninguém, mas comigo mesmo. Revelo desde já que estou morto, do contrário essa carta jamais chegaria á sua mão. Também ressalto que, se estou morto, o fiz com minhas próprias mãos e que nunca ninguém teve a honra de me matar ou me ver morrer.

        Sim, estou morto agora, mas porque cansei de viver, enjoei do elixir que me mantinha respirando nesse mundo nefasto. Enjoei de ser o malvado para uns e o bonzinho para outros, tachado assim pela hipocrisia do homem que não queria enxergar o valor real da vida e a jogava fora como eu fiz minutos depois de escrever essa carta.

        A contradição na qual entro acima só é característica fundamental da minha personalidade. Personalidade essa que se manteve misteriosa até o dia da minha morte (e ainda se manterá se ninguém ler essa carta). Personalidade essa que me fez criar tudo o que criei só para ter uma diversão que não imaginava que sairia do meu controle. Sim, saiu do meu controle, pois deixei-me levar pela diversão até que tudo aquilo que tinha feito tomou outro rumo e se acabou.

             O fato de tudo o que fiz ter acabado não significa nada se comparado ao motivo pelo qual acabou. Claro, pois não tenho culpa nenhuma em fazer nascer uma coisa que se degrada com o tempo se destrói sem dó e depois me procura para ver se eu dou jeito.

        Perguntavam-me sempre se abandonei tudo o que fiz. Respondo agora que, abandonei sim, e há muito tempo atrás, mas não tive outra escolha.

        Pelo fracasso daquilo que criei e pela ideia erronia que tiveram de mim ao longo da vida, resolvi pôr um fim em tudo deixando essa carta como um pedido de desculpas. Errei muito na vida, mas um erro meu causa uma desordem de proporções dantescas. Não sou perfeito ao contrário do que muita gente pensa.

        O que me leva a escrever essa carta? Motivos diversos, mas o principal deles: esclarecer que tudo o que pensaram de mim enquanto vivi foi errado e que eu não era nada daquilo que pensaram que eu era. Em meio às devoções e repulsas que adquiri ao longo da minha vida, pensei profundamente e percebi que o erro foi cometido lá no começo. Afinal, nada disso estaria acontecendo se eu não tivesse criado o homem. Peço desculpas por isso, por ter criado a humanidade e depois não ter dado conta de administrá-la como seu verdadeiro dono. Desculpas por ter criado o causador do apocalipse mesmo que não tenha movido uma palha sequer para que o fim realmente acontecesse.
                  

                                                                   Honestamente, Deus

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