13/05

Já são 3:30 da manhã, ela sabe que foi uma péssima ideia ter ficado até essa hora lendo, provavelmente vai ficar acordada o restante da noite.

Não pôde evitar, o cheiro dos livros de história ainda impregnam seu nariz e ela dá um suspiro, tentando dizer pra si mesma que é apenas mais uma noite de insônia.

Levanta e vai à cozinha praticamente se rastejando, precisa comer já que passará a noite em claro. Não tem muita escolha, só o restante do feijão cozido de ontem e pequenos pedaços de tira de porco defumado.

Há dores que passam turvando em sua cabeça, são fortes e ela começa a se preocupar. Já com o garfo a e a faca na mão, o líquido quase pastoso pelo precário armazenamento do grão chega devagar ao prato e é no exato momento em que finalmente o toca, que ela ouve o primeiro trinco da porta da sala de jantar se abrir com dificuldade. Não está mais só.

Mais rápido que um gato preto, ela se enclausura no quarto novamente, passa a chave e espera.

Pelo tempo que durou aquele som, ela deduz ter sido somente uma tentativa de quem quer que seja que queria estar em sua companhia, adentrar à casa em que ela vive e escreve sozinha há 10 anos.

Infelizmente, suas convicções são logo postas em xeque por dois acontecimentos quase seguidos à sua dedução: o início de uma forte e inesperada chuva lá fora e o pesado som das correntes do seu visitante, vindos da cozinha onde acaba de parar de girar o prato com o ensopado de porco improvisado de cabeça pra baixo. Ela pode jurar que ouviu a porta se fechar por trás do barulho das correntes.

Olha para a mão e percebe que ainda está com a faca, o suspiro de agora se mostra mais frio, mas não sabe identificar se por conta da mudança repentina no tempo ou pelo medo.

Suas mãos tremem, mas não de imediato, a tremedeira é consequência do fato de estar tentando manter a faca em punho sem que ela escorregue no suor de sua palma (se ela pudesse ver agora, perceberia que as mãos estão começando a calejar também) e só começa de fato a acontecer depois do primeiro e estarrecedor trovão.

Apaga a luz. Sente uma tontura forte, como se estivesse a balançar no mar.
Por um período não sabe se na completa escuridão se sente mais segura porque está de olhos fechados ou porque o quarto está imerso na solidão.  Levanta a faca á altura do ombro, suspira pela terceira vez, buscando o ar já bem mais rarefeito e no instante em que toma a coragem de perguntar quem é o invasor, ouve um estalido rápido de algo como um chicote levantado ao ar, não consegue identificar exatamente, mas parece como um grito estridente vindo de alguém que acaba de levar um grande choque, mas o baque é mais surdo, sente uma súbita dor nas costas.

É quando, tateando para achar o interruptor para acender a luz novamente, identifica a parede fria demais. Dá-se por convencida de que aquele não é mais o seu quarto.

Agora, o muro que a separa, com sua faca de cortar pão, do enigmático e barulhento intruso é feito de tijolo industrial baiano, como nas antigas casas de engenho.

A chuva parou e ela se sente, apesar de ainda no escuro, como se estivesse em um lugar bem mais claustrofóbico do que antes. Consegue se mover, mas não sabe se é pelo medo ou o que, o fato é que parece sentir a presença de muito mais gente ao seu redor. É de se notar que outras duas coisas aconteceram no meio disso: a chuva desaparece e o barulho das correntes aumenta.

A dor nas costas é substituída por uma lesão forte nos pulsos, causas por algum tipo de torção leve.

Isabel, coloca o ouvido na porta, ainda sem coragem de acender a luz e ouve a distancia um pequeno batuque de natureza ancestral. Parece que está havendo uma festa do lado de lá, algum tipo de rito. Ainda com medo e parecendo agora muito doente, consegue distinguir uma única palavra entre os cânticos que se entoam lá fora, o qual a gela a espinha. Em questão de segundos, o barulho fica tão alto que ela deixa a faca cair para proteger os ouvidos e sente o coração disparar.

No mesmo momento que as luzes se acendem repentinamente, ela se vê na presença daquele que viera busca-la e se ouve ao longe uma multidão gritando a palavra ABOLIÇÃO.

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