Todos Nós

 

 

            - Você me ama? – Ela perguntou.

            - Claro que sim, Anna! – Ele disse.

            Estavam no café da rua oito, no auge da pandemia, ele de malas prontas, ela aos prantos. Na mesinha o café preto sem açúcar dele e a torta de amora que ela comia. Ela ajeitou a máscara com a ponta do dedo indicador antes de dizer um pouco ressentida:

            - Queria que isso acabasse, Marcelo...acabasse! – Deu uma mordida na torta – Argh...amora...

            - Vai acabar meu amor, vai acabar...

            Era domingo e já chegava o inverno, as ruas vazias e silenciosas denunciavam que já não viviam tempos normais.

            O conhecido vírus que surgiu em outro país no início do ano se espalhou pelo mundo e trouxe diversos problemas. Uma pandemia de uma doença sem cura, cuja única arma era o isolamento social, pois só o que se sabia do novo vírus é que ele se espalhava de pessoa para pessoa e que era letal.

            Fernando pôs a mão no bolso do terno e retirou o celular:

            - Escute, vou deixar esse aparelho com você, não hesite em me ligar se tiver algum problema, ok?

            - Tudo bem... – Disse ela, tentando conter o choro.

            - Promete? – Ele disse

            - Prometo, só não entendo porque precisa ir para o centro disso tudo, e se você se infectar? E se não voltar mais? Oh Deus!

            - Você sabe que não tenho escolha, Maria! É minha mãe, ela precisa de mim.

            Ele sabia que ele não conseguiria ver a mãe, ela já fora diagnosticada com a doença e estava isolada no hospital, incomunicável. Ele também sabia disso, mas sentia a necessidade de fazer alguma coisa.

            Desde o início da pandemia mantiveram o isolamento, tanto ele quanto Carla não se viram. Ela morava com o avô e ele, apesar de morar sozinho, era enfermeiro e estava na linha de frente. Acharam por bem se distanciar, como era a recomendação, principalmente para o bem do avô dela, já idoso e dentro do grupo de risco da doença.

            Mantiveram o contato telefônico e por videoconferência até aquela data. Bruno jogou os ombros e braços para frente na mesa, deu um longo suspiro, e tomando coragem disse:

            - Preciso que você confie em mim, eu tenho um plano que vai dar certo, se você me escutasse...

            - Eu não posso perder você também, por favor entenda minha aflição! – Ela interrompeu gritando, se houvesse mais gente na cafeteria todos teriam olhado.

            - Eu sou médico, não tenho escolha, eles precisam de mim.

            - Tudo bem, me dá um prazo pelo menos – disse Beatriz.

            - Até o fim do ano.

            Ela parou de chorar na hora, franziu a testa e o olhou profundamente nos olhos dele:

            - Você está fazendo de novo, Carlos! De novo! Não acredito que estava fazendo isso comigo!

            Ele era um péssimo mentiroso e ela sabia que, toda vez que mentia ele mexia a sobrancelha. O movimento era involuntário e ele devia ter pensado melhor ao mentir sabendo que, apesar da distância, era ela a primeira pessoa que melhor o conhecia. Doravante ter se tornado a primeira recentemente, depois que a primeira de todas se fora...

            Ainda tinham uma hora antes de o voo partir, ele tentou mudar de assunto, já que sabia que não conseguiria sair daquele desconforto.

            - Como que está sendo lá na casa do Gustavo? Ele ele tem te tratado bem?

            - Me trata como consegue – ela respondeu meio de cara virada – tem bom coração e foi muito caridoso me aceitando na casa dele.

            - Que bom, é uma bom homem, lembro dos tempos em que a gente ficava, com toda essa pandemia ele ficou diferente, tinha medo que te maltratasse – Ele disse -  isso tudo é provisório, tá bom? Vamos passar por isso e dar muita risada de tudo lá na frente, tenho certeza – Tentou tranquiliza-la, já buscando voltar no assunto da pandemia para lhe contar seu plano: Escondida no bolso da mala, a aliança brilhava. Secretamente ele sorria. Isso ele ainda conseguia esconder dela.

            - Queria que meu pai e sua mãe ainda estivessem aqui – ela disse, melancólica.

            - Eles lutaram bravamente! Não houve muito o que fazer, infelizmente.

            - Como está o Rex? Continua sendo sua melhor companhia?

            Ele esboçou um sorriso triste ao dizer que o cão havia sido sacrificado e que agora só restava a solidão.

            Cansado de conversas tristes ele levantou, foi até uma das poucas lojinhas abertas ali perto e comprou um cupcake de amora, sabia que ela adorava cupacke de amora.

            Ela sorriu – Você ainda lembra! – Disse.

            “Que bom, pelo menos ela voltou a sorrir”, ele pensou. Comeram e riram a tarde toda. De súbito, ela lhe perguntou.

            - E então, Bernardo, por que me chamou aqui? Queria me falar alguma coisa?

            Ele ficou pálido, chegava a hora do pedido. Sem muita coragem, desviou:

            - Nada demais! Queria te ver antes de partir, só isso.

            - Ah...

            Ela olhou ao longe e viu o antigo parque, já fechado por ter falido em meio a falta de faturamento:

            - Poxa, se esse parque de diversões estivesse aberto poderíamos ir na montanha Russa, né? – Desconversou – Lembra de quando fomos a primeira vez? Foi...

            - Nosso primeiro beijo, é claro que eu lembro! – Disse ele segurando a emoção.

            - Tomara que isso tudo acabe! Não vejo a hora de frequentar bares e restaurantes como lotados de novo – Roberta falou sorridente.

            - Se tudo der certo, até o fim do ano isso acontece! – Ele disse esperançoso.

            O voo dele foi anunciado no auto falante do aeroporto, a hora se aproximava e ele não conseguiu chegar até o pedido. Lamentava profundamente.

            Levantou já virando de costas quando ela disse:

            - Carlos, o que é isso no bolso da mochila?

            - Nada de mais, foram só algumas palavras aleatórias que escrevi pensando em você – ele respondeu.

            - Que coisa mais linda, Guilherme! Mal posso esperar para conhecer sua mãe!

            - Espero que ela goste de você – ele disse, bastante aflito em apresentar a sua primeira namorada para a mãe.

            Já caía a noite, ela levantou ainda de pijama para atender o telefone. Era ele avisando que já chegara, depois de 8hrs de viagem.

            - Ok, cuide-se meu amor – foi só o que ela conseguiu dizer sonolenta – Boa noite e te amo!

            - Ele a ouviu desligar com a certeza que tudo ia ficar bem e quando pudessem se ver novamente ele a pediria em casamento. Lembrou do passado, de tudo o que viveram juntos. Ali no seu colo, suas duas filhas.

            Ela, vestida de preto, caixão fechado, esperava o corpo terminar de ser velado, os poucos parentes que ali podiam estar lhe consolaram:

            - Ele foi um bom homem, lutou contra esse vírus até o fim, que Deus o tenha levado com ele.

            Já era verão e o Natal se aproximava, sentada no café da rua oito ela pediu a famosa torta de amora que ele tanto gostava. Chorou, um pouco menos que antes. Dessa vez, já não estava mais sozinha e o café da rua oito estava novamente lotado. Era bom saber que tudo voltara ao normal e que ao menos ele tinha acertado uma vez.

                        Bianca lembrou da última vez que o viu, o último contato físico fora aquele beijo apaixonado no café, depois que ela disse sim ao seu pedido de casamento.

 

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