O banheiro falante

Não era azulejado, tinha paredes brancas gastas, teto sem gesso e uma surrada cortina em vez de um Box de vidro, mas era seu. Pago como o restante do apartamento. Pequeno, mas seu. E não podia ter arrumado um melhor.

Ah, havia o piso antiderrapante, é claro! Correr o risco de escorregar e bater a cabeça na pia enquanto tentava – em vão – apoiar a mão na privada era um erro que não podia ser cometido de novo.

Ele jurou que não se permitiria mais cair no chão do banheiro feito uma jaca podre, por isso gastara uma fortuna naquele piso.

Deus o livre! Morrer no banheiro, sozinho, de porta fechada. Demorariam semanas para descobrirem o cadáver!

É claro que só descobririam pelo mau cheiro do corpo em decomposição, pois ele não era do tipo de pessoa que fazia muita diferença para os outros. Por isso ao longo dos últimos anos tinha se isolado e feito uma amizade bem diferente, com o banheiro de seu pequeno apartamento. Um banheiro falante. Este era sua única companhia.

Quando o reflexo do pequeno espelho preso á parede refletia ele trancando a porta atrás de si, o banheiro tagarelava até que a porta fosse aberta novamente.

Isso mesmo, seu banheiro falava e só ele sabia. Alias, era uma grande companhia esse banheiro. Aconselhava, ajudava a refletir e era um ombro amigo – se isso era de alguma maneira realmente possível. Servia para tudo o que fosse necessidade de verdade e nunca saia no lugar, o que era óbvio e essencial.

Se era produto de sua imaginação ou não, ninguém nunca vai saber, mas o banheiro era mágico. Era fonte de toda a criatividade do homem, cujo hobby era escrever.

Aos 40 anos de idade, o homem tinha exatamente 3 caixas lotadas até a boca com cadernos que deveriam ter, cada um, cerca de vinte textos, todos feitos naquele banheiro. As caixas misturavam poemas, contos, letras de musicas e crônicas das mais variadas, tudo ditado pelo banheiro falante.

Verdadeiros poços de imaginação, registros que ninguém mais além dele e seu banheiro sabiam que existiam, as caixas jamais foram abertas por outras mãos.

Isso era ao mesmo tempo engraçado e triste.

Pensando melhor agora, o homem achou que morrer no banheiro não seria tão péssima ideia assim.

Demoraria um bocado, mas arrombariam aquela porta e encontrariam o corpo dele desfalecido como Elvis, só que com as três caixas ao seu lado, essas três caixas seriam abertas e seu conteúdo finalmente revelado.  E qualquer um que lesse aqueles manuscritos iria acabar se identificando com pelo menos uma daquelas histórias. E o homem passaria de esquecido a para sempre lembrado como um memorável escritor muito a frente de seu tempo.

 Mais importante que tudo isso, todos teriam acesso a sua genial obra, mas ninguém jamais saberia que o verdadeiro autor dessas obras era um banheiro falante e que nenhuma outra parede não azulejada ecoava tão bem na face da terra os pensamentos de um homem.

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