Crítica – The Babadook (2014)

Antes de mais nada, gostaria de salientar que esse filme conseguiu fazer despertar de novo nesse desacreditado cinéfilo o interesse por filmes de terror (nem tudo está perdido!). E que, só por esse ponto positivo a fita já vale a pena ser vista.

Gostaria de lembrar também que essa resenha é para quem já viu o filme, portanto, o assista antes de continuar lendo, impreterivelmente - não porque a resenha tem spoilers e não quero estragar o seu final, nem porque eu ganho algum dinheiro por fora para fazer despertar o interesse de meus leitores em determinados filmes cuja bilheteria é indubitavelmente fraca.

Mas única e exclusivamente porque esse filme é maravilhoso. É fantastico! Cada pessoa que vê-lo vai enxerga-lo de maneira diferente. É dessa forma que se faz a sétima arte e é disso que quero falar aqui.

Não há como compreender inteiramente as linhas abaixo sem terem assistido o filme, sem terem o compreendido. Assim, assistam o filme, pois esse é o único do gênero decente que vejo há pelo menos 10 anos

Dado o recado, vamos aos motivos pelos quais considero essa uma obra de arte do cinema contemporâneo.

Ah, antes, acho importante citar alguns detalhes que não terão espaço no texto logo abaixo, que vai focar mais no roteiro.

Primero ponto: O filme retoma as influências do expressionismo alemão dos anos 20, com as pinceladas de escuridão exatas para a tensão que pretende. Algo que é sensacional particularmente pra mim por ser essa época do cinema de terror a que considero mais em consonância com o que é realmente a sétima arte.

Segundo ponto: as atuações de Essie Davis (Amélia) e Noah Wiseman (Samuel) são impecáveis, principalmente esse ultimo, que é uma criança de apenas 6 anos e que faz o papel de um filho birrento digno de reconhecimento.

Terceiro e ultimo ponto: É um filme de terror sim. Por mais que não haja sustos e gritos histéricos, nem derramamento Tarantinesco ou Timburtonesco de sangue. O filme é forte pela tensão, ansiedade e o mal estar que causa. Isso é um filme de terror, não aquelas “receitas de bolo” planejadas pra você ficar pulando da cadeira no cinema!
São pequenos detalhes que só servem para acrescentar á genialidade da obra.

Bom, vamos ao filme?

“The Babadook” é um filme de 2014 realizado pela estreante na direção Jennifer Kent. A autraliana nos traz uma história de terror em que Amélia, assolada psicologicamente pela depressão por causa da morte do marido, se vê sozinha com seu filho pequeno (Samuel) em uma casa escura que habita um monstro saído de um conto de fadas infantil, o Babadook.

Clichê? Claro, muito! Se esse não fosse somente um plano de fundo para algo maior, que está nas entrelinhas da trama.

Para conhecimento, é interessante citar que Babadook é o nome que se dá ao “bixo papão” na Australia. Aquele monstro embaixo da cama ou dentro do armário que todos tememos quando crianças. Continuando...

O que acontece é que o marido de Amélia morreu enquanto a levava para o hospital justamente para dar a luz a Samuel que, por ter nascido no dia da morte do pai, não comemora seus aniversários e desenvolve uma personalidade forte que a mãe – e não só ela, mas todos em volta - enxergam como problemática e birrenta.

A mãe, por conta disso, é depressiva e triste, como vemos desde o inicio do filme, culpando o garoto por toda a desgraça que lhe aconteceu em vida. E o garoto por sua vez é isolado das outras crianças por ser estranho e inconveniente. Pronto, está montado o plano principal da história. Que formará juntamente com fundo aterrorizante e sombrio um dos roteiros mais bem elaborados que vi nos últimos anos no gênero.

Certo dia, com problemas pra dormir normais para uma criança, Samuel pede que sua mãe leia uma história que ele achou no armário. Um livro incompleto titulado “The Babadook”. Cheio de desenhos assustadores e linguagem ameaçadora misturada a gravuras típicas de livros infantis, a mãe lê nas páginas que “Babadook foi liberto”, “com o monstro uma vez desperto, não há mais como fugir”, e coisas do tipo.

Daí começa a história de terror. O monstro que dá nome ao filme se manifesta na casa e a mãe passa a ter alucinações que não assustam, mas deixam tudo muito tenso e grotesco para o telespectador (igualzinho na década de 20 na Alemanha...rs).

No meio do filme, depois de uma de suas alucinações, Amélia rasga o livro que deu origem ao drama. O livro ressurge mais tarde em sua porta com as partes que estavam rasgadas, coladas e mais completo do que nunca - trazendo imagens inéditas dela assassinando o cachorro, o filho e inclusive se matando em seguida.

Aqui, é interessante notar que isso não é falado em momento algum no filme, mas em várias cenas o telespectador pode perceber – e deve fazer isso para a compreensão da obra como um todo – que a própria Amélia foi quem escreveu o livro incompleto, rasgou-o para colar e completar assustadoramente depois. Tudo por conta de não ter conseguido superar a morte do marido e culpar o único filho por isso.

Detalhes como esses podem ser percebidos, por exemplo, na cena em que na casa de sua colega, uma vizinha pergunta se Amélia era escritora, ao que ela responde "Eu escrevia alguns artigos para revista. Coisa de criança!". Ou na cena em que Amélia, amedrontada pela situação, vai á policia para relatar o caso do livro amaldiçoado que acabara de queimar, mas sai correndo da delegacia quando vê que suas mãos estão sujas de tinta, com medo de que o policial perceba. Perceba o que? Que ela mesma confeccionou o livro do qual falava? Que ela mesma havia colado o livro antes de queima-lo?

Interessante como esses detalhes são introduzidos em nossas cabeças de maneira sutil e nos fazem pensar no final. É brilhante a forma como só esses detalhes trazem à tona a verdadeira compreensão da intenção que a trama tem.

Se você já viu o filme – como eu espero que tenha feito – não cabe aqui detalhar como a história termina. Até porque o final não é tão importante (bom, é sim, mas depois que as entrelinhas do filme foram realmente entendidas), o importante mesmo são as mudanças entre o terror do segundo plano e o drama do primeiro que Jennifer consegue fazer com maestria. O importante mesmo é chegar ao final do filme e entender a verdadeira mensagem da fita, que usa o terror como tema para tratar de um assunto bem mais complexo que medos de criança - que causa o surgimento de muitos “monstros embaixo da cama” dos adultos – a depressão.

De resto basta dizer o óbvio, que fica claro na ultima cena do filme: Babadook nada mais é do que uma invenção da cabeça da própria mãe, que seu filho enxerga desde o inicio. Um reflexo da depressão que sente. Depressão essa que nunca é eliminada completamente, tendo de ser controlada e alimentada como Amélia faz em mais uma metáfora genial das muitas que o filme tem.

Se o filme já foi visto por você e você não o entendeu, peço que assista de novo, eu o farei mesmo tendo compreendido grande parte, tenho certeza que a cada vez que eu assistir vou pegar um detalhe novo não percebido anteriormente.


 E se você não assistiu e chegou até aqui, assista o filme também. Filmes como esse não são lançados todos os dias e devem ser recomendados incondicionalmente.

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